Na primeira parte do livro Deep Work (Trabalhe focado, na edição brasileira) Cal Newport explica os conceitos sobre trabalho focado e justifica sua importância. Já na segunda metade, são apresentadas formas para implementá-lo, divididas em quatro regras:

  1. Trabalhe com foco
  2. Aceite o ócio
  3. Saia das redes sociais
  4. Remova o superficial

Como a primeira regra é extensa – na verdade, é o maior capítulo do livro, resolvi tratar só dela e deixar os outros tópicos pra depois.


A chave para o trabalho focado é criar rotinas e processos para diminuir a força de vontade necessária para migrar de uma tarefa para outra.

Para isso, o autor define alguns pontos:

Decida a estratégia

Newport apresenta quatro estratégias:

Monástica
Quase todo o seu tempo é em atividades de alto foco ao eliminar obrigações superficiais. É uma estratégia para poucos.

Bimodal
Divisão do tempo em grandes blocos de trabalho focado. Mais comum que a monástica, a ideia é separar um bloco extenso e evitar o máximo de distração. Por exemplo: definir um dia profissional somente para trabalho focado. Ou separar o inverno para tarefas de alta produtividade e o restante do ano para as demais atividades. Pode ser ideal para projetos com começo e fim claros.

Rítmica
Ajuda na criação do hábito ao dividir seu dia em períodos de trabalho focado ou de trabalho superficial. O que mais importa nessa filosofia é a criação de uma rotina, o que torna os resultados mais visíveis dos que usando a estratégia anterior.

Jornalística
É o trabalho focado em momentos que a sua agenda permite. Exige muita disciplina e prática pra rapidamente sair de uma tarefa superficial e entrar de cabeça em algo produtivo assim que a oportunidade aparece

Não foi difícil decidir que a minha estratégia seria a rítmica, e imagino que essa será a mesma filosofia adotada pela maioria das pessoas. Por ser mais fácil de incorporar no dia, ela ajuda a criar o hábito de reservar um tempo para trabalho focado.

Crie rituais

Enquanto a rotina visa tornar o caos da vida cotidiana mais contido e controlável, o ritual tenta inspirar o mundano com um toque mágico. A estrutura da rotina nos conforta, e o caráter especial do ritual nos enche de vida.

Maria Popova, sobre a diferença entre rotina e ritual

Quando eu comecei a ler o livro, eu queria evitar o máximo de distrações. Defini então umas poucas regras para que eu pudesse me manter concentrado: quero ler pela manhã, por meia hora, e sempre do mesmo lugar. A ideia de um ritual definido ajuda na criação do hábito.

O livro então traz as seguintes perguntas:

  • Qual será seu local de trabalho?
  • Por quanto tempo você vai trabalhar?
  • Como você vai trabalhar?
  • O que é necessário pra trabalhar?

A partir desses pontos, organizei as primeiras sessões da seguinte maneira:

  • Local de trabalho: minha escrivaninha, depois do café da manhã
  • Duração: 30 minutos
  • Estrutura : Sem internet e com o celular no modo não perturbe junto com um timer de 30 minutos. Se eu vou ler, desligo o monitor e pego papel e caneta pra fazer anotações. Se vou escrever algo, mantenho o programa em tela cheia.
  • Suporte: uma xícara de café, um copo de água e música que que não atrapalhe. 

Criar um ritual inclui ter uma base para seu trabalho, com tudo já pronto, pra que você consiga trabalhar com o mínimo de interrupções ou chances de se perder na procrastinação. 

Faça grandes gestos

Foto de Ray Bradbury, autor do livro Fahrenheit 451

Quando quis escrever Fahrenheit 451, fui até a UCLA e encontrei uma sala de datilografia no porão onde, ao inserir dez centavos na máquina de escrever, eu poderia comprar trinta minutos de digitação.

Ray Bradbury

Para aumentar a importância da tarefa sendo feita, você pode praticar grandes gestos como ir para um lugar exótico, tirar uma semana de folga e ir para o mato, alugar uma casa ou um quarto só para trabalhar, ou passar uma semana inteira só trabalhando de um coworking. Michael Pollan, por exemplo, construiu um espaço dentro do próprio terreno.

Esta regra é um pouco mais difícil de ser seguida, mas de acordo com Newport, ao colocar uma dose extra de esforço – e às vezes de dinheiro, você irá se comprometer ainda mais com a seriedade do trabalho.

Não trabalhe sozinho

O trabalho remoto é muitas vezes solitário. O trabalho remoto focado pode ser ainda mais. 

Newport critica um pouco o conceito de escritório aberto, sem portas e limites, onde há muita ênfase na interação entre grupos, mas poucas chances de se manter focado por um longo período de tempo.

A solução seria um meio-termo: empresas podem fomentar o encontro entre os grupos, inclusive de diferentes setores, desde que exista um espaço sagrado de onde as pessoas possam trabalhar sem interrupção.

Ferramentas como o Zoom, Slack e P2 oferecem esse tipo de colaboração. Um exemplo seria participar de uma discussão acontecendo sobre um problema maior, absorver aquilo que pode ajudar, e então entrar num modo não disturbe e trabalhar focado novamente. Ou se juntar a um colega via Zoom por um tempo definido, discutir qual é o problema que vocês estão tentando entender, e aí seguir em modo solo. 

Trate como um negócio

Aqui, Newport adapta o conceito 4DX do livro As 4 disciplinas da execução e oferece ideias para o desenvolvimento pessoal através de quatro ideias:

Foque no que é importante
Identifique um pequeno número de objetivos para suas horas de trabalho focado. Alguns exemplos: publicar no blog uma vez por semana, ler 30 livros no ano. 

Examine as medidas de direção
Também chamadas de lead measures, essas medidas servem para manter sua atenção no objetivo final. Usando o exemplo acima, ler 30 livros no ano se torna uma tarefa mais fácil quando você foca no que é necessário para ler essa quantidade de obras. Em vez de manter sua atenção no número de livros, foque no processo: quantas horas de trabalho focado serão necessárias para atingir o meu objetivo?

Documente suas atividades
Em um caderno ou numa folha presa na parede, registre todo o tempo que você ficou em modo focado. Uma ideia seria manter um contrato semanal.

Mantenha uma prestação de contas
Comprometa-se com revisões periódicas (diárias ou semanas) do seu progresso e avalie como você está se saindo. Durante as revisões, você pode se perguntar:

  • Quantos tarefas de alto impacto eu consegui concluir?
  • Alcancei minha meta de N de horas em trabalho focado esta semana? Se sim, o que posso adicionar com maior regularidade? Caso contrário, o que faltou e o que posso fazer pra melhorar?
  • Quais são as tarefas mais importantes da próxima semana?

Pratique o ócio

Newport resumiu aqui a entrevista de Domenico de Masi que depois se tornou livro, O ócio criativo: o tempo livre não é somente indispensável para o seu corpo como também muito importante para quem quer tirar o máximo das suas horas de trabalho. 

O autor então lista razões para praticar o ócio:

  • Ajuda no pensamento, pois fazer pausas permite que sua mente descanse. Se você encontrou um desafio e não parece sair do lugar, talvez seja a hora de dar um tempo. A partir daqui, seu inconsciente assume e continua trabalhando no problema que você tentava resolver.
  • Permite recompor o foco após um dia de trabalho intenso. Ler uma mensagem no grupo de WhatsApp do trabalho ou responder a um email fora do horário comercial coloca seu cérebro no modo trabalho justamente quando deveria descansar.
  • Recarrega sua energia para um novo dia. Como nossa atenção e poder de decisão são finitos, as horas finais de longas sessões de trabalho são serão tão produtivas. É melhor parar para recarregar e voltar no outro dia com o tanque cheio.

Como base nesses tópicos, Newport recomenda um ritual de encerramento com uma clara transição para o tempo livre. Para o meu encerramento, eu defini as seguintes tarefas:

  1. Fechar o Slack, meu canal de comunicação profissional
  2. Analisar quantas horas eu trabalhei
  3. Verificar minha lista de tarefas, entender por que algumas não foram feitas e assim planejar o dia de amanhã
  4. Executar alguma tarefa pessoal rápida como responder a um email ou pagar contas
  5. Fechar o computador

O ritual deixa um sinal claro de que o trabalho do dia terminou e que sua mente pode entrar em um modo de processamento e descanso. 


O ócio é tema central da segunda regra.

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Uma resposta para “Deep Work, primeira regra: trabalhe com foco”

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