“Em seu quadragésimo terceiro ano, William Stoner aprendeu o que outros, muito mais jovens que ele, haviam aprendido antes dele: que a pessoa a quem se ama no começo não é a pessoa que enfim se ama, e que o amor não é um fim, mas sim um processo através do qual uma pessoa experimenta conhecer outra.”
Stoner
Kurt Vonnegut, em alguns vídeos e textos que circulam pela internet, aparece explicando por que certas histórias se repetem por séculos e continuam nos cativando. Em um dos exemplos, o autor cita uma história com um começo traumático que culmina em uma vida mais feliz. Em outra história, existe um personagem já feliz, bem sucedido, que vê tudo se perder em pouquíssimo tempo e lentamente precisa se reerguer.
Vonnegut afirma ser da condição humana que fantasiemos sobre grandes feitos e experiências que podem mudar nossa vida. Mas que, se pegarmos um gráfico criado sobre uma vida ordinária, cotidiana, veremos uma linha com poucas subidas e descidas. Comparada a um conto de fadas, nossa história será possivelmente bem morna.
Stoner se encaixa perfeitamente nesse conceito de vida ordinária. O livro conta a história do menino William Stoner, que cresce em uma fazenda com seus pais pobres e faz faculdade em uma cidade a poucos quilômetros de onde nasceu. Em meio a duas guerras, sua paixão pelos livros o manteve dentro da universidade, seja como estudante ou, mais tarde, como professor do curso de literatura. Ele crê ter descoberto o amor para só depois saber que o amor era muito mais que aquilo. Stoner casa, tem uma filha e morre sem grandes feitos, sem sair de sua cidade, sem fazer parte de nenhum dos gráficos que Vonnegut usa pra explicar como uma boa história é contada. E talvez aqui esteja a mágica do autor: contar o comum e o rotineiro de uma forma tão agradável.
A vida de William Stoner não é interessante pelo fato de ser monótona, mas sim porque a conexão que temos com ele é de querermos empurra-lo pra longe do marasmo e fazê-lo entender que as migalhas que recebe não deveriam ser suficientes. O exemplo dos pais, que nasceram e morreram trabalhando, sua escolha de não ir à guerra, seu casamento fracassado com uma mulher repulsiva (talvez ela mesma fruto de uma família já repulsiva, que nunca entendeu como os relacionamentos se dão), sua incapacidade de ser mais ativo na educação da filha e, finalmente, sua complicada relação com um manipulador colega de departamento, tudo isso incomoda. É frustrante ver Stoner passar tão indiferentemente pela vida, colhendo algumas poucas gotas de felicidade que às vezes pingam nos seus dias. Como se, por nunca ter sido ensinado diferente, crescer, trabalhar, casar, procriar e morrer fossem o único caminho.
E talvez seja essa relação entre a apatia e a passividade de Stoner com a nossa vontade de ajudá-lo, de qualquer forma que seja, que faça o livro ser o que é: um lindo e triste retrato da vida não contemplada nos contos de fadas. Da vida que, talvez só quando olhada de fora, temos a certeza de que não queremos ter.
Deixe um comentário