Dois dias em Doi Mae Salong

Às dez da manhã, a mochila estava pronta: duas bermudas, uma camiseta, cuecas e meias, medicamentos e produtos para higiene pessoal, caderno, caneta, computador, celular, câmera, uma garrafa d’água, o biscoito vagabundo que ganhara no ônibus para Chiang Rai e, claro, as duas capas de chuva, uma para a mochila a outra para mim.

O aluguel de uma 125 cilindradas me custou 200 baht, o dobro do que se paga em Pai e Chiang Mai. A princípio, a ideia seria fazer um trajeto um pouco maior, mas precisei readequar meus planos por causa da falta de tempo. Assim, saindo de Chiang Rai perto das 11:00 h, andei 28 km na rodovia principal para então entrar à esquerda na montanhosa rota 1089 e depois subir a 1234. O tempo bonito e a vista maravilhosa ajudaram a esquecer um pouco dos inúmeros buracos presentes nos lentos 34 km que me separavam de Santikhiri, a vila no topo da montanha Mae Salong.

A vista do Phra Boromathat Chedi, a uns 1800 metros acima do nível do mar
A vista do Phra Boromathat Chedi, a uns 1800 metros acima do nível do mar

Fundada por soldados chineses remanescentes do Kuomintang, o partido anticomunista, Santikhiri (também chamada de Mae Salong por causa da montanha homônima) ficou famosa por suas plantações de chá e pela grande quantidade de tribos que povoam a região. O turismo ainda é pouco explorado, ainda mais em comparação com áreas não muito distantes. Contudo, a julgar pelo grande número de novas construções, a “Pequena Suíça”, como também é conhecida a vila, tem se desenvolvido com certa ferocidade.

Pessoas visitando as tribos há mais de vinte anos. Há algo de mágico nestas fotos

Como o dia estava bonito, me mantive, então, na rota 1234 sentido norte a procurar um bom mirante para contemplar as plantações de chá, as montanhas e as inúmeras outras vilas e tribos que envolvem a área. Ao encontrar um lugar, fui bem recepcionado por um homem chamado James Surapol, membro do comitê de coordenação do turismo baseado em comunidade da província de Chiang Rai. Desde o começo da minha viagem, li e ouvi muitas histórias sobre as visitas às tribos minoritárias do sudeste asiático, mas quase todos os passeios me pareceram turísticos demais, invasivos demais; aqui entram os comitês, que trabalham na tentativa de diminuir o impacto pesado do turismo. James, que fala dez línguas (thai, inglês e as das tribos) e tem 30 anos de experiência em trekking na região, quase me convenceu a partir para alguma caminhada com ele. No entanto, meu tempo curto e minha estada programada para apenas uma noite me fizeram voltar para fazer o check-in na Shin Sane, a primeira pousada de Mae Salong.

Lá, conheci Sofia, uma garota italiana criada na Alemanha que estava se recuperando de uma infecção alimentar. Convidei-a pra subirmos o morro de moto para visitarmos o Phra Boromathat Chedi. De lá, é possível ter uma visão de Mae Salong e, a oeste, da fronteira com Myanmar. A descida, que nos propiciou um bonito pôr do sol, foi completada com um pequeno passeio pela vila. Pelo menos na baixa temporada, Mae Salong morre por volta das nove da noite, então era o momento ideal de jantarmos.

Phra Boromathat Chedi
Phra Boromathat Chedi

Para o dia seguinte, 29, o plano era bem simples: acordar cedo, seis da manhã, visitar a feira matutina, fotografar o lugar e as pessoas, entregar a chave do meu quarto, saborear um bolo de banana com café no Xin Zi Dai, descer o morro em sentido horário pela estrada 1234 sentido Mae Chan, voltar a Chiang Rai, perder uma hora na Black House, devolver a moto, pegar minha mochila na pousada em que estava, ir para a rodoviária e embarcar no próximo ônibus rumo a Chiang Mai. De todo o planejamento, a única parte cumprida até então foi a que envolvia comer o bolo de banana acompanhado de um café.

Cachoeira marrom
Cachoeira marrom

Começou a chover consideravelmente perto das sete da manhã, o que me fez preferir ficar deitado a me molhar na feira. Perto das 10:30 h, o céu caiu e a chuva nervosa, que pegou até mesmo os locais de surpresa, foi forte o suficiente para formar rios entre as subidas e descidas da cidade. Em meio a um blecaute, com a chuva não dando sinais de trégua, descer o morro íngreme com uma moto automática, contornando a estrada pelo outro sentido, sozinho e debaixo d’água não pareceu uma ideia muito esperta. Perto das três da tarde, então, decidi que seria melhor passar mais uma noite em Mae Salong. Escrever um pouco, entrar em contato com meus amigos, tomar mais um café no Xin Zi Dai e dormir cedo não seria nada mau. Aí, era só torcer para que a luz voltasse e a chuva desse um tempo para que no dia 30 eu pudesse cumprir tudo que havia pensado pro dia anterior.

Perto do final do dia, Lynn, um canadense que conheci no almoço, me perguntou se eu não gostaria de ir dar uma volta de moto pelas inúmeras vilas presentes na montanha Mae Salong. Topei, e por asfalto e barro pilotamos até encontrar a pequena Ja Bu Si, uma vila composta pela tribo Lahu. Lá, jogamos bola com as crianças em meio as pequenas cabanas equipadas com paineis solares. Confesso ter ficado um pouco encabulado – e é aí que um guia experiente entra para lhe instruir – por não saber se estaria invadindo privacidade alheia, então pedi pra não demorarmos muito por ali.

Duas horas e meia e 30 quilômetros depois, voltamos para Santikhiri. Uma Chang de 600 ml e um belo prato de curry verde fecharam a tranquila noite. No entanto, era o momento de descer o país. Dia 02, no máximo, eu precisava estar em Bangkok.

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